Professor Fábio Cantizano
Prof. Esp. Fábio Cantizano – UNICONFIT – CREF: 16603-G/RJ

Aparelhos para treinos em pé são realmente eficazes? Ficar mais tempo é pé é melhor do que ficar sentado?

Em termos de fisiologia, ficar em pé traz mais equilíbrio na exigência do nosso sistema locomotor do que na posição sentada. A carga é melhor distribuída, mas não quer dizer que o corpo precise ficar nessa posição o dia todo.

Alguns escritórios, inclusive, posicionam alguns equipamentos que obrigam profissionais a operá-los em pé.

Marcos Tadeu (Mister Connect), diretor da Alliance Fitness, trouxe uma reflexão sobre equipamentos para treinamento de força criados por uma empresa. A proposta é estimular o desenvolvimento dessa qualidade física na posição que deveríamos explorar mais em nosso dia a dia, ou seja, em pé.

Assista o vídeo abaixo e depois leia minhas considerações.

O que a rotina exige do corpo?

Um profissional que trabalha o dia todo em pé na recepção de um hotel sofre uma exigência física diferente da de um diretor que trabalha sentado na maior parte do dia em um computador.

Um estoquista que carrega pesos ao longo do dia tem uma necessidade de estímulos diferentes dos que seriam planejados para uma dentista que fica boa parte do dia com tensão na cervical, por conta da posição adotada ao tratar seus pacientes.

Até que ponto a engenharia empregada nas máquinas que estimulam o treinamento em pé contribuiriam para a eficácia do treinamento de pessoas com níveis de exigência, além de posições, tão diferentes?

O que o equipamento para treino em pé oferece representa as exigências do dia a dia?

Quando estamos em pé, a gravidade age em nosso corpo (óbvio), obrigando nossos músculos a trabalharem em conjunto. O torque externo gerado pela gravidade em cada articulação obriga nossos músculos a trabalharem de forma a manter-nos em pé. Não quer dizer que o torque externo promovido pelo equipamento proporcionará o mesmo, a ponto de treinar nosso corpo de acordo com a mesma necessidade.

homem realizando uma puxada no pulley em uma academia
A aderência ao exercício depende de resultados parciais e das preferências do praticante. O equilíbrio entre o que ele deseja e o que precisa ser feito é a chave para o sucesso.

O tempo investido no treinamento impacta a falta de momentos em pé no dia a dia?

  • Supondo que a pessoa trabalhe o dia todo em pé, seria vantajoso na academia realizar todo o seu treinamento em pé?
  • Qual seria a melhor proporção entre posições no treinamento para que não haja excesso de sobrecarga em pé para quem trabalha em pé?
  • Qual seria a proporção ideal para estimular a pessoa treinar em pé, caso trabalhe sentado?
  • Até que ponto essa 1h ou menos de treino impacta positivamente o organismo, já que a exigência do equipamento nem sempre reproduz a ação da gravidade ao estarmos em pé?

A posição nem sempre será benéfica se a exigência não for semelhante. Precisamos refletir sobre o princípio científico da especificidade sempre estivermos nesse dilema.

Ações intuitivas são realmente eficazes e representam a realidade?

A educação física faz parte da área da saúde, entretanto, é praticamente a única área que leva ao mercado métodos e equipamentos sem comprovação científica de eficácia. Isso nem sempre é ruim, pois quando algo novo chama a atenção, cientistas investem tempo para investigar.

Técnicas cirúrgicas e medicamentos passam por inúmeros testes por anos antes de chegar aos pacientes. O que fazemos muito bem na educação física é pegar um novo equipamento e fazer uma análise biomecânica de como podemos estimular determinado segmento para que haja desenvolvimento da força muscular em diferentes níveis de exigência.

Realmente não sei até que ponto vale a pena investir milhares ou milhões na produção de algo com base em ações intuitivas.

homem fazendo abdominal na academia, utilizando uma medicine ball
Parte da exigência física no treinamento precisa ser sentado ou deitado, dependendo das limitações, do objetivo e até mesmo das preferências do praticante.

Cada pessoa tem seu objetivo, é única e tem suas limitações.

A individualidade biológica é o princípio científico do treinamento mais referenciado quando o assunto é prescrição de exercícios.

Quando há desequilíbrio muscular que pode gerar complicações futuras, a prescrição deve ser feita com foco em promover tal equilíbrio antes de desenvolver qualquer outra qualidade física. Determinados músculos precisam ser treinados de forma isolada para que sejam desenvolvidos sem exigir a participação de outros.

A ideia de treinar o corpo como um todo, dando um estímulo “próximo do completo”, é inteligente quando o objetivo é 100% a funcionalidade e não haja desequilíbrio muscular ou lesões que possam sugerir uma atenção mais dedicada a determinado músculo.

O equilíbrio é a chave

O treinamento físico que visa saúde, qualidade de vida, alto rendimento ou a adaptação morfológica mais comum (hipertrofia muscular), deve ser planejado com equilíbrio de estímulos relacionados ao objetivo do praticante, levando em consideração todo seu histórico de prática de exercícios, doenças e limitações.

Uma boa avaliação física, bem detalhada e nem sempre enfatizada na maioria das academias do Brasil, seria muito mais importante do que alguns minutos de estímulos em pé, com base na ideia intuitiva de que as pessoas deveriam explorar mais a posição ortostática (em pé) do que a sentada.

Só conseguimos saber sobre o desequilíbrio muscular em uma pessoa através de uma boa avaliação física, não apenas composição corporal, mas uma avaliação postural criteriosa e alguns testes físicos.

O espaço

De acordo com o fabricante, cada equipamento ocupa um espaço máximo de 1 metro quadrado, sendo perfeito para estúdios ou salas de musculação menores. É uma grande vantagem competitiva, mas será que o curso da parte móvel do equipamento permanece dentro desse espaço?

Se as partes móveis extrapolarem o limite de 1 metro quadrado ao longo da execução, precisaremos analisar com cuidado onde colocar cada equipamento, concorda? É uma questão de segurança durante o treino.

Considerações finais

Investir milhares ou milhões de reais em equipamentos com base em ideias intuitivas pode não ser a melhor pedida.

Se eu tivesse uma academia, certamente avaliaria alguns desses equipamentos para oferecer ao meu cliente algo diferente das salas de musculação tradicionais, mas não todos os equipamentos. Seria muito mais uma ação de marketing baseada em experiência do cliente do que na “necessidade” de ficarmos mais tempo em pé.

A área da saúde deve se basear nas necessidades daqueles que buscam saúde. É perfeitamente possível planejar uma rotina de treinos de força com equipamentos básicos, com custo muito menor.

Se ainda assim estiver tentado(a) a comprar equipamentos desse tipo, faça apenas depois de responder as perguntas a seguir:

  • O que esse equipamento pode realmente fazer de diferente para justificar o investimento?
  • Nenhum outro equipamento da minha academia consegue promover a exigência física que o equipamento oferece? Nem mesmo os pesos livres?
  • O que a direção técnica ou coordenação técnica da minha academia pensa a respeito?
  • Caso eu compre o(s) equipamento(s), minha equipe saberá responder com autoridade as reais vantagens do equipamento, já que é bem provável haver reajuste na mensalidade para cobrir tal investimento?

Gestor, não encare como banho de água fria, ok? Mas quando se trata de investimento, decidir com base em intuição não mostra inteligência competitiva.