Gestor, você faz ideia do que um cliente de academia pensa sobre a modalidade musculação, comparando-a com as demais modalidades?
Ao longo dos meus 21 anos de sala de musculação perguntei aos clientes, sempre que percebia a possibilidade de conversar sobre o assunto, o que eles achavam da musculação em diversos aspectos.
É claro que este assunto merece um estudo aprofundado, no entanto, pude ao longo desse tempo juntar algumas peças e criar estratégias para educar consumidores e gestores sobre esta majestosa modalidade.
Vamos ao que interessa?
1 – Posso fazer o que quero
Por mais que muitos clientes reclamem do atendimento e organização, muitos se sentem beneficiados pela possibilidade de executar na sala o que desejam ou com orientação de fora. É possível frequentar algumas vezes por semana a musculação sem que seja percebido(a) pelos profissionais, o que dificilmente acontece em aulas coletivas.
De acordo com uma cliente que já conversei, ela se sente desconfortável em algumas academias por não poder realizar os exercícios em determinados locais, por conta de implicância de professores (sobre segurança). Ainda assim ela insiste e faz, já que não conseguiria fazer isso em boxes de Crossfit ou estúdios com turmas.
“Tenho que ir pra alguma sala de musculação e meter a cara mesmo, só lá é possível fazer o que quero sem me encherem o saco. Quando alguém se aproxima pra falar algo, fecho a cara e continuo o que estou fazendo”. (Palavras da cliente que treina para competições de fisiculturismo amador).
Uma situação semelhante é quando um cliente deseja bater seu recorde em levantamento de peso no exercício “Levantamento Terra”, executando-o em local inapropriado, sendo que muitas academias não separam um local específico para exercícios como este.
2 – “Sei que faz bem”
Muitos clientes atualmente fazem ideia do quanto o treinamento de força é importante, mas a maioria não tem a menor noção de como essa valência física é essencial para saúde, qualidade de vida e autonomia. Sabem apenas que “ter músculos saudáveis é fundamental”.
Mesmo com tanta ciência envolvida, ainda há preconceito sobre a modalidade quando aplicada em idosos e crianças, por exemplo. Para surpresa de muitos, inclusive na área da saúde, já existem publicações sobre benefícios do treinamento de força para crianças autistas, por exemplo.
Alguns médicos já indicam com frequência o treinamento de força em salas de musculação, embora boa parte deles ainda insista na recomendação do Pilates, mesmo com volume maior de comprovações científicas envolvendo o treinamento de força em salas de musculação tradicionais, modalidade financeiramente mais acessível que o Pilates para a população em geral, mas este assunto fica para outra oportunidade, ok?
O que sua academia tem feito em termos de educação para mudar a opinião de médicos e clientes que ainda não recomendam ou praticam musculação?
3 – Coisa de jovem que quer ficar bonito
Ouvi muito esta expressão de clientes com mais de 50 anos que preferiam se dedicar a outras modalidades, como a hidroginástica por exemplo.
A musculação ainda é vista como uma modalidade voltada para estética. Vivo alertando academias sobre conteúdos em redes sociais focados em adaptações morfológicas, como simetria muscular, redução da cintura e outras “qualidades” percebidas a olhos nus pelos clientes. Imagens tangibilizam mais o resultado do que a percepção de longo prazo no desempenho físico.
Enquanto focarmos a comunicação e educação dos clientes em aspectos estéticos da saúde, dificilmente conseguiremos aumentar o valor percebido na musculação a ponto de melhorarmos a lucratividade do setor.
4 – Não gosto do ambiente
Sobre gostar ou não do ambiente, diziam que era por conta do clima confuso, com gente falando alto, espalhando pesos por todos os cantos e gente mal educada que não fazia questão de guardar os equipamentos após a utilização.
Isso acontece quando uma modalidade atende a todos. Por um lado é bom, pois é uma excelente relação custo-benefício para a maioria. Por outro, nem tanto, pois um público heterogêneo, cada um com seu objetivo e forma de se comportar, pode transformar a sala em um ambiente bem desagradável caso a academia não se mova para educar.
5 – Único local que sugere hierarquia
Certa vez precisei intervir em uma discussão entre um personal trainer externo e um cliente da academia que seguia um programa prescrito por mim.
A situação era a seguinte:
Meu aluno queria treinar no supino reto com 10kg de cada lado e o personal externo insistia em sugerir para ele o supino de placas, já que o supino livre era “mais para quem já treinava pesado”. Ele queria mesmo treinar o cliente dele no aparelho sem ninguém para “atrapalhar”.
Quando fui chamado, o personal externo veio cheio de atitude, achando que eu ia concordar com ele. Na mesma hora eu disse: “Eu que prescrevi por inúmeras razões. Nesta sala não existe hierarquia de quem pega mais ou menos peso. Os aparelhos são de todos, independente da carga levantada. Se ele chegou primeiro, sugiro que você aguarde ou que leve seu cliente para outro equipamento”.
Ao ler sobre o ocorrido, você pode achar que fui rude com o profissional, mas este somava ocorrências que colocavam clientes e profissionais da academia em situações de desconforto com frequência.
Muitos alunos chegaram a sair da academia por conta dessas situações, que muitas vezes a direção da academia não comparecia em defesa do profissional que colocava ordem na casa.
Considerações importantes sobre a sala de musculação
É fato que sala de musculação tradicional cria oportunidades para que clientes façam apenas o que desejam e que não é tolerado em salas de aulas coletivas. Isso acontece com frequência por inúmeros motivos, como quantidade de profissionais de plantão, não ter horário fixo (turmas) e dispersão. Até aí, ok.
O que não pode acontecer é a sala não ser lucrativa por se assemelhar às demais, tornando a musculação uma modalidade comoditizada. Uma atividade comoditizada tem como característica a escolha pelo preço mais baixo, não pela qualidade de quem a oferece.
A musculação é a modalidade que mais requer investimento em instalações, equipamentos, tem o maior custo operacional de uma academia. É a que deveria apresentar maior potencial de lucro, embora saibamos que na prática “não é assim que a banda toca”.
A pergunta mais importante a ser feita agora é: Como tornar a sala de musculação da sua academia um local seguro, respeitável e frequentado por todos os clientes com frequência?