Professor Fábio Cantizano
Prof. Esp. Fábio Cantizano – UNICONFIT – CREF: 16603-G/RJ

Quando abordo assuntos polêmicos, sempre começo com a expressão: “Nós somos da área da saúde”. Sendo assim, deveríamos atender qualquer pessoa que busca saúde e qualidade de vida.

O que vemos muito no mercado é academias e demais negócios atendendo pessoas que buscam manutenção da saúde. Estar bem fisicamente e procurar um espaço para manter-se saudável é o que há de mais comum. Dá uma olhada na lista abaixo:

  • Obesos mórbidos com suas comorbidades;
  • Diabéticos;
  • Hipertensos;
  • Pessoas com lesões articulares graves;
  • Pessoas recém operadas (bariátrica);
  • PcDs;
  • AUTISTAS.

Por mais que algumas academias estejam preparadas para atender parte desse público, sabemos que a maioria está longe de saber o que fazer com ao menos 70% dessa lista.

Arte gráfica sinalizando o dia mundial da conscientização do autismo, 2 de abril.

Sempre que ministro uma palestra para profissionais e gestores, questiono:

“Qual estabelecimento aqui poderia receber neste exato momento um cliente dessa lista, tendo um profissional preparado para atendê-lo com autoconfiança e competência?”

Na maioria das vezes os ouvintes se ajeitam nas cadeiras e não tenho respostas. Por isso pareço chato quando questiono se somos realmente da área da saúde, já que quem realmente precisa “dar a volta por cima” na saúde corre riscos de não ter um atendimento competente, de acordo com o preconizado pela ciência.

Entenda

Uma coisa é ser da área saúde e atender quem precisa, outra é ofertar algo que faz bem para saúde (de quem já tem). Essa diferença impacta diretamente na percepção da sociedade sobre nossa atuação. Automaticamente impacta o faturamento também.

Os autistas

Você pode estar questionando agora o motivo pelo qual o Autistas” estão com letras maiúsculas e em laranja na lista anterior, mesmo eles fazendo parte dos PcDs.

Hoje, dia 2 de Abril, é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Além disso, sou pai de um menino autista nível 1 de suporte e tenho como missão de vida deixar uma sociedade melhor para meu filho.

Sua academia está preparada para dar o devido atendimento ao autista?

Vou te contar uma coisa que vai te aliviar: A maioria dos profissionais da saúde, inclusive médicos, não sabem como atender ou lidar com autistas, salvo os que atuam com autistas.

Sempre que vou ao médico, independente da especialidade, acabo comentando sobre meu filho autista. Todos me perguntam as diferenças entre os níveis de suporte no autismo e “como é…”

O que me assusta?

dados CDC sobre 1 a cada 36 crianças terem autismo

1 a cada 36 crianças de 8 anos de idade tem autismo, de acordo com o CDC americano. É uma proporção alarmante e preocupante, já que não temos profissionais da saúde na mesma proporção com entendimento aceitável sobre o assunto.

O fato da pesquisa periódica ser realizada apenas com crianças de 8 anos (faixa etária), não anula os demais indivíduos, já que autismo não tem cura e a criança se torna adulta e posteriormente idosa. Sim, temos adultos e idosos autistas em nosso meio, sem o devido diagnóstico e acompanhamento profissional.

Sei que não parece problema nosso, mas somos da saúde e esse assunto nos compete, já que boa parte das interações sociais e funções cognitivas do autista são prejudicadas pelo não desenvolvimento de qualidades físicas básicas (aqui nossa intervenção é fundamental).

Está crescendo o número de autistas?

Hoje temos mais informações, estudos e mais profissionais dedicados ao tema nas diversas subáreas da saúde e também da educação.

Antigamente os autistas ficavam dentro de casa ou internados, recebendo tratamentos para alguma doença que nada tinha a ver com autismo, até mesmo pelo fato do autismo não ser doença, mas um transtorno de neurodesenvolvimento (são coisas diferentes, ok?).

Posso afirmar que em sua sala de musculação ou piscina passam autistas diariamente, ao menos de nível 1 de suporte, que não sinalizam suas condições na academia por medo de preconceito ou restrições pela falta de conhecimento.

E na academia?

mulher irritada ao ouvir que aula para autistas é somente com personal.

Trabalhei em salas de musculação por muitos anos, dei aula de natação infantil e aulas coletivas também. Por ter uma boa estrada junto ao consumidor final, testemunhei situações que me deixavam incomodado quando o assunto era PcD (Pessoa com Deficiência), mais especificamente os autistas.

Eu nem sonhava em ter filho (muito menos que seria autista), mas isso nunca me impediu de questionar o tratamento dado aos pais e mães que lutavam para conseguir o melhor para seus filhos.

Inúmeras vezes quando ligavam para a academia, perguntando se tinha natação infantil, a resposta era que “sim”, mas quando a mãe ou pai sinalizavam a condição do filho (autista), eram imediatamente informados que autista só podia fazer natação e com personal.

Fatores que envolviam essa decisão:

  • Falta de conhecimento, justamente por não ter tantas informações na época;
  • Falta de interesse de profissionais em se especializarem em algo com maior complexidade, recebendo a mesma hora/aula;
  • Medo do desconhecido.

Há riscos?

Há riscos com autistas em salas de musculação e outras modalidades? Sim, pois um autista nível 2 de suporte pode precisar de mais atenção. O de nível 3 dificilmente conseguiria aproveitar os benefícios de uma academia por conta da necessidade extrema de suporte.

Os autistas de nível 1, que não precisam de tanto suporte como os outros, sofrem por terem suas deficiências suprimidas, são vistos como “frescos”, “chatos” e “problemáticos”, sendo que apresentam muito menos riscos para o negócio do que um adolescente que brinca com os equipamentos na academia, tentando bater recordes de levantamento de peso.

Casos que merecem atenção e reflexões

imagem com reportagem mostrando jovem tendo matrícla recusada por ser autista em uma academia
Clique na imagem para ter acesso ao conteúdo original da matéria.

Na matéria acima, mesmo tendo praticado exercícios em outras academias, a mãe teve a matrícula do filho rejeitada por ser autista. O despreparo da recepcionista na hora de agir foi questionado, já que a mãe já estava com cartão na mão para pagar e com todos os detalhes acertados.

Quando a mesma questionou se havia professores de plantão, pois o filho era autista, na mesma hora a matrícula foi recusada e foi informada que só o supervisor (que não estava no local) poderia decidir. É claro que há receios e uma série de fatores a serem avaliados, embora a recusa de um cliente autista possa configurar preconceito e discriminação, com base em lei que protege PcDs.

Na maioria das vezes, a forma que é dito e a expressão facial de susto ofende mais que a própria recusa.

Embora o desafio seja enorme, SOMOS DA ÁREA DA SAÚDE.

Imagem com texto que retrata mãe lutando pelo direito do filho praticar esporte e burocracia para desfazer matrícula.
Clique na imagem para ter acesso integral ao conteúdo original.

Na reclamação acima a mãe foi muito bem atendida na matrícula, mesmo sinalizando a condição do filho (autista), sentindo-se confortável em ter seu filho tentando praticar um esporte e sendo acolhido.

O filho não se adaptou bem… Em vez de correr atrás de saber como poderia fazer para melhorar a experiência do filho, a mãe preferiu cancelar o plano.

Chega uma hora que lutar diariamente cansa e a gente acaba selecionando nossas batalhas. Foi aí que começou o pesadelo da mãe. Não conseguia por nada cancelar o plano por conta de questões contratuais.

O pior de tudo foi que a ocorrência no site mais famoso sobre reclamações só foi respondida quase um ano depois.

Esses foram apenas 2 casos…

Mas avançamos em conhecimento e protocolos para melhor atender uma parcela grande da sociedade que tem autismo.

Profissionais que atuam com movimento estão se destacando com suas expertises, como:

  • Dr. Darlan Santos, professor de educação física e pesquisador que defendeu seu doutorado abordando os benefícios do treinamento de força para crianças autistas. Está terminando, com outros autores, um livro que será um divisor de águas no desenvolvimento motor infantil de autistas;
  • Rodrigo Brivio, que atende crianças autistas e forma outros profissionas;
  • Felipe Nilo, profissional de lutas que atua com crianças autistas.

Ainda assim, temos uma grande parcela de autistas na sociedade que não têm acesso aos projetos de intervenções motoras necessárias para viver com qualidade de vida.

Reflexão:

Sua academia, estúdio ou escola esportiva, sendo reconhecida como área da saúde pelo Ministério da Saúde, o que tem feito para atender essa parcela da sociedade? Como trem preparado seus profissionais para isso?