Professor Fábio Cantizano
Prof. Esp. Fábio Cantizano – UNICONFIT – CREF: 16603-G/RJ

Estamos vivendo a era da informação, onde um conteúdo que era acessado em 4 anos na universidade pode ser acessado hoje na palma da mão em uma semana, mesmo que de forma resumida.

Por um lado é excelente, pois estamos evoluindo rápido, por outro, um desastre, justamente por não não estarmos ainda habituados a analisar de forma crítica o que vem sendo produzido. No caso da velocidade da informação, nem todos se aprofundam para tomada de decisões estratégicas.

Muitos profissionais estão estudando pelos posts de pesquisadores que resumem estudos em um carrossel do Instagram. A culpa não é do pesquisador, mas do novo hábito de se atualizar apenas com o conteúdo publicado como “opinião pessoal após análise do artigo”.

Milhares de profissionais decidem por não verificar os estudos por completo, justamente por confiarem nos pesquisadores que postam. Isso pode desencadear uma crise intelectual enorme na área.

Cada vez mais informações são publicadas em redes sociais por especialistas e também por influenciadores, sendo estes motivos de dores de cabeça para alguns gestores de academias. Afinal, os clientes que têm influenciadores como ídolos desejam copiar suas rotinas e fazer com que a academia aceite os novos hábitos.

Gestor, é assim que se sente?

O novo hábito?

Sim, treinar descalço está se tornando um hábito para alguns, mas dor de cabeça para gestores e proprietários de academias, seja nas de modelo tradicional, estúdios ou boxes de cross training / crossfit.

O problema mais grave na educação física não está na carência de estudos, mas no hábito de testar algo primeiro na prática para depois investigar cientificamente, ao contrário do que é realizado na medicina ou indústria farmacêutica. Lá eles testam por anos métodos, tratamentos, técnicas cirúrgicas e medicamentos para depois colocarem em prática no mercado. Concorda?

Possíveis razões para treinar descalço, de acordo com entusiastas

Arnold Schwarzenegger, um dos maiores fisiculturistas de todos os tempos | Grande influenciador do esporte ainda hoje, treinando descalço em um ginásio na década de 70.

Muitos profissionais como fisioterapeutas, personal trainers e atletas relatam mais conforto no treino de força sem calçado, além de outros aspectos, como:

  • Postura;
  • Propriocepção;
  • Fortalecimento de arco plantar;
  • “Mecânica” mais próxima da anatomia real, enfim, diversos fatores.

O que precisamos nos atentar em pleno século XXI é o fato de nos adaptarmos ao treinamento ou prática esportiva utilizando calçados vistos como específicos para a prática, embora a maioria ignore o termo “específico” quando falamos de treinamento de força.

Muitos especialistas recomendam, inclusive, uma readaptação da prática de exercícios de força descalço, já que a maioria treina há anos com tênis.

A lógica diz: Se treinar descalço desencadeia levantar mais carga e ter mais estabilidade, isso aconteceria se realmente estivéssemos adaptados ao treinamento de força descalços, certo?

  • Não seria arriscado começarmos o treino pesado descalço, já que o atleta XPTO está fazendo assim?
  • Passamos por um processo de adaptação ao treino descalço para aumentarmos a carga?
  • Onde se encaixam os princípios do treinamento desportivo nessa hora?
  • A principal pergunta: O ambiente é controlado?

Eu, particularmente, tenho mais de 100kg de anilhas em minha garagem e realizo meus levantamentos descalço. Entretanto, o ambiente é controlado, sem gente passando de um lado para o outro e com potencial de distração reduzido a quase zero.

Antes de caprichar na carga, passei por uma readaptação com educativos e progressão de carga bem conduzida.

Nem todas as academias podem oferecer um ambiente desse tipo para levantamento de peso sem calçado, embora haja sugestão de solução, mas sem garantias de sucesso. Continue sua leitura!

A força

A base da força é a estabilidade, ou seja, se realmente deseja treinar a força muscular e boa parte das suas formas de manifestação, devemos praticar em ambiente (solo) estável. Nada de bola suiça, bosu ou discos de equilíbrio.

O solo deve ser estável. Até mesmo áreas de pesos livres com placas de EVA são inadequadas.

O treinamento descalço promove essa estabilidade, certamente, mas devemos levar em consideração diversos fatores quando falamos de academias tradicionais. Elas são bem diferentes dos boxes e estúdios, assim como das academias lá de fora.

Vou te contar um segredo:

Treinar força muscular usando tênis de corrida ou modelos para aulas coletivas que exigem amortecimento de impacto é ineficaz, além de arriscado, justamente pela falta de estabilidade proporcionada por este tipo de calçado com “amortecedor”.

Grandes atletas de levantamento de peso (Atletas de Powerlifting e de LPO) treinam e competem com calçados específicos para levantamento de peso.

“…se deseja proibir um cliente de treinar descalço por conta da segurança, exija que todos treinem com calçados específicos para treinamento com pesos…”

Não encare a citação acima como implicância, ok?

Mas pense como um raciocínio de gestor da área da saúde que preza pela segurança e segue processos bem definidos para reduzir ao máximo a possibilidade de argumentação do cliente em uma possível discussão.

“Treinar descalço é melhor do que com tênis fitness e diferente de agachar com calçado apropriado” (Thiago Matta, um dos maiores pesquisadores do Brasil sobre biomecânica do Treinamento de Força – Professor da UFRJ).

Não sei se você sabe, mas muitos atletas de força treinam com o bom e velho tênis All Star, pois tem solado fino, sem amortecimento e é extremamente estável para levantar altas cargas.

Academias lá fora x Academias daqui

O que mais se vê na internet é gente treinando descalça nas academias lá de fora, mesmo em academias tradicionais. Lá fora, uma academia de custo operacional baixo, com salão de musculação em formato de ginásio (mais de 800 metros quadrados) é visto como modelo tradicional de sala de musculação.

Imagens dos anos 70 e 80 nos EUA com bodybuilders treinando descalços não são raras na internet, mas era assim por outros motivos.

Algumas diferenças:

Legislação

A legislação é diferente, logo, um acidente ocorrido lá gera consequências diferentes para a empresa.

No Brasil o “buraco é mais embaixo” quando se trata de consumidor. Não precisa ser especialista para saber que a dor de cabeça aqui é maior. Lá fora, inclusive, em alguns estados você não pode fazer determinadas perguntas na anamnese por ser ilegal, perguntas que aqui são simples.

A fiscalização de órgãos semelhantes aos brasileiros como bombeiros, ANVISA e Conselhos Profissionais também são diferentes. Sendo assim, não é apenas questão de segurança, mas de legislação.

Acredite, como consultor de marketing para negócios fitness, me incomoda muito o empresário querer copiar tudo lá de fora, acreditando que é melhor quando somos bem superiores, mas nem todo mundo está pronto para essa conversa…

Área da Saúde

No Brasil somos área da saúde e um dos poucos países com graduação em educação física, ou seja, uma formação técnica bem superior ao restante do mundo;

O fato de sermos da área da saúde é o suficiente para batermos o martelo no quesito segurança. Se somos da saúde, deveríamos seguir regulamentos rigorosos da área da saúde sobre processos e condutas em caso de acidentes dos mais diversos tipos. Não conheço academias com esse rigor técnico de gestão de riscos.

Entramos agora para a saúde, mas será que a população nos percebe dessa forma?

Cada vez que vamos ao hospital, somos instruídos ou assinamos um termo comprovando que estamos cientes de determinados riscos de acidentes e que fomos instruídos sobre como proceder.

Em cada corredor do hospital tem um mapa de saída de emergência mostrando sua localização e o caminho para fora em caso de incêndios, com instruções claras sobre como proceder. São normas da área da saúde.

Percebe agora como ainda somos “café com leite” nesse ramo?

Treinar descalço deveria ser apenas uma questão de norma a ser cumprida pelos clientes da empresa. Pode treinar ou não pode treinar? Por que?

A segurança nas academias

Muitas discussões são realizadas por conta da segurança nas academias. Os adeptos da utilização de calçados propagam algo como:

  • Pode cair uma anilha ou halter no pé e machucar;
  • Dependendo da carga, há deformidade no arco plantar, sendo o calçado uma forma de segurança;
  • “É mais eficaz”, entre outras…

Vamos aos fatores:

Cair anilha ou halter no pé

O trauma direto provocado pela queda de uma anilha ou halter no pé pode ser atenuado pelo tênis? Se for um tênis robusto de couro, pode atenuar cortes e outros ferimentos superficiais, embora raramente o livrará de uma fratura ou esmagamento, concorda?

ATENÇÃO, GESTOR:

Se você obriga um cliente a ir calçado, deve especificar que tipo de calçado deveria utilizar, evitando aborrecimentos como a chegada de clientes com calçados de tecido fino que não oferecem a tal proteção. Fica parecendo muito mais uma preocupação com a academia do que com a real segurança do cliente. Se você orienta (sem obrigar), mas o cliente decide por outro calçado, aí é com ele.

É mais eficaz?

Os estudos realizados com treinos descalços são originais, cada um com uma população diferente, com histórico de treinamento diferente, entre outras questões. Não temos estudos aprofundados que comprovem a real eficácia de usar calçado ou treinar descalço, embora muitos se sintam melhores dessa forma, descalços.

Uma coisa não se discute: em termos de treinamento de força, é realmente mais eficaz do que o tênis fitness utilizado pela maioria, justamente por conta da estabilidade (a base da força).

O que dizem alguns estudos?

Não procurei por milhares de estudos, trouxe 2, um de 2013 e outro de 2021, ambos com uma característica: a ideia de que precisamos de mais estudos comparativos para opinarmos de forma mais consistente. Enfim, vamos aos dados.

Link do estudo acima: Clique aqui.

O estudo acima mostrou um grau de flexão do tronco maior com pés descalços, podendo ser um alerta para quem tem lombalgia ou algum outro tipo de sintoma na coluna.

Além disso, a amostra foi composta por indivíduos com 5 a 7 anos de experiência com treinamento, o que não retrata a maioria dos consumidores do nosso mercado. Quantos homens e mulheres realmente treinam membros inferiores com disciplina há ao menos 5 anos, a ponto de usar esse estudo como base de argumentação?

Você pode argumentar com o cliente que deseja treinar descalço, mas que tem problemas na coluna ou que não tenham histórico de treinamento da região do CORE, muito comum em homens que valorizam apenas a estética de membros superiores e mulheres que não treinam tronco, valorizando apenas estética de membros inferiores.

Link do estudo acima: Clique aqui.

No estudo acima foram selecionados 30 pessoas entre 18 e 35 anos que praticavam levantamento terra sumo ou convencional em programas de treinamento de força ao menos 2 vezes por semana por pelo menos 6 meses. Quantos clientes temos com esse perfil em uma academia hoje em dia na sala de musculação?

O estudo sugere em alguns casos o treinamento descalço, mas com cautela. Enfatiza ainda a carência de mais estudos que comprovem a vantagem de treinar ou não descalço.

O fato de ainda termos apenas estudos originais, cada um com uma população de hábitos diferentes (perfil de amostra), colabora mais para uma decisão organizacional da academia do que pela eficácia ou não.

Quantos clientes em sua academia estão “criando esse problema”?

Mulher realizando agachamento livre em uma academia
O Agachamento é um dos principais exercícios onde parte dos frequentadores tentam executar descalço, mesmo nos locais que não permitem a ação.

Qual a determinação do Conselho Regional de Educação Física?

Muitos têm dúvidas sobre a atuação do CREF nessa hora, dizendo que ele determina a utilização de calçados.

Bote uma coisa na sua cabeça agora mesmo:

O CREF não determina nada que não seja uma exigência legal, como presença de profissionais formados, estar em dia com a anuidade, em dia com curso de Suporte Básico de Vida, entre outras leis.

Não há lei que obrigue o empresário a exigir calçados nos clientes durante o treino, basta ver nos boxes de crossfit uma quantidade considerável de pessoas treinando descalças.

Eu desconheço lei que obrigue. Inclusive, se houver lei que obrigue a utilização de calçados, deverá especificar o tipo de calçado a ser utilizado. Porém a academia tem total direito de estabelecer regras de segurança que traduzam a melhor logística e segurança dos clientes em seus negócios.

O que pode ser feito em sua academia?

A proibição

Você pode proibir essa prática com os seguintes argumentos:

Ciência

Não há estudos aprofundados que realmente comprovem a eficácia do treinamento descalço a ponto de testar na prática sem critérios.

Como somos da área da saúde, não podemos permitir testes em campo sem obedecer metodologias específicas (além de não sermos laboratório), afinal, há uma responsabilidade técnica da academia com a segurança do cliente (seu coordenador precisa estar afiado e com conhecimento aprofundado sobre o assunto).

Segurança

A academia tradicional não é um ambiente controlado para você treinar dessa forma. Em outros países a legislação é mais amena sobre consequências para acidentes com consumidores.

Você está em local com muito trânsito e com clientes com níveis diferentes de experiência e de treinamento. Nem prestarão atenção ao passar por você carregando um halter (que pode cair em seu pé).

Ou então…. permita a execução de exercícios descalço, mas… com regras

Permita o treinamento com ausência de calçado, desde que o cliente cumpra regras bem específicas.

Para começar

#1 – Espalhe pela sua sala de musculação que tipo de calçado é mais adequado para treinamento com pesos.

#2 – Por mais que as pessoas não queiram carregar 2 pares de tênis, jamais poderão dizer que nunca foram instruídas sobre a segurança e eficácia dos calçados específicos, além da ineficácia do “tênis fitness” ao levantar altas cargas por conta da instabilidade. Passa a ser decisão dela, mas é sua obrigação orientar.

#3 – Lembre-se, se somos da saúde, devemos pecar pelo excesso de cuidados. Concorda? Além de deixar o ambiente mais seguro para o cliente, traz segurança para sua marca.

Liste os exercícios permitidos

Os exercícios que exigem mais estabilidade são aqueles em que há pressão da sola do pé com o solo, como Levantamento Terra e suas variações e agachamento com suas variações. Apenas estes justificam o treino descalço por conta da carga.

Nenhum exercício de membro superior exigirá cargas tão altas para justificar toda essa estabilidade dos pés no solo. Caso argumentem, instrua-os sobre a utilização de calçados apropriados para treinamento de força.

Liste todas as variações dos exercícios citados e exiba em local específico para execução, deixando claro que qualquer outro exercício proposto deverá passar pela avaliação da coordenação técnica, o que pode levar mais de um dia.

homem realizando levantamento terra em uma academia
O Levantamento Terra, também conhecido como Deadlift, é o campeão dos exercícios executados sem calçados em academias.

O local

Estabeleça um local específico para execução desses exercícios, instruindo o cliente a retirar o calçado apenas nesse local (nunca fora dele), depois que a carga já estiver ajustada.

Caso haja progressão de carga durante o exercício, as anilhas deverão estar próximas e em local seguro, evitando que o cliente tenha que sair do espaço para buscar mais. Caso seja necessário, deverá calçar-se para agir ou pedir ajuda a um parceiro de treino.

Sinalize o local com uma fita no chão, delimitando o espaço permitido para treino descalço. Ali deverá estar apenas o executante e, no máximo, um assistente para dar segurança durante o exercício com carga alta.

Insira as proibições na placa

Além das sugeridas anteriormente, sinalize a proibição dos demais clientes a transitarem pelo espaço quando alguém estiver executando o exercício.

Não recomendo permitir revezamento em exercícios descalços, pois o parceiro de treino teria que aguardar em local apropriado, ou seja, fora da área permitida e sinalizada para a execução do exercício.

Nunca permita um executante (cliente) calçado e outro descalço. Apenas o professor pode entrar no local calçado enquanto o cliente está descalço por razões óbvias. O profissional é treinado para orientar e auxiliar.

Ressalte que o local é permitido treinar descalço, mas que não é exclusivo para treinos sem calçados.

Não permita exercícios Bi-Set em que o executante deva sair do local, como na junção entre agachamento e cadeira extensora. Ele jamais deverá sair do local permitido sem calçado, nem mesmo para beber água ou ir ao banheiro. Se desejar sair, deverá calçar-se, nem que ele tire e coloque toda hora.

Sobre as normas

Além das instruções estarem próximas ao local de treino descalço, deverão estar também nas normas de conduta da sala de musculação. Certifique-se de inserir uma cláusula no contrato, deixando o cliente ciente da obrigatoriedade de seguir as normas de segurança e de conduta da sala de musculação, podendo estas sofrerem mudanças sempre que necessário, sem que haja aviso prévio.

Todos os profissionais, de todos os setores, deverão estar cientes dessas normas para que possam falar a mesma língua. Sugiro, inclusive, o coordenador elaborar um treinamento sobro como proceder nas orientações ao cliente, assim como lidar com potenciais conflitos e consequências de acidentes e outras adversidades.

E o Leg Press?

O Leg Press pode exigir muita carga e o cliente argumentar a necessidade de treinar descalço. Informe que não pode, pois há uma lista com os exercícios permitidos e que não é permitido permanecer, executar exercícios ou transitar descalço em áreas não permitidas, simples assim.

O que pode acontecer?

Você pode proibir treinar descalço e ponto final. A academia é sua e você faz as regras.

Caso decida permitir o treino descalço, faça-o de forma planejada.

O cliente pode até achar que está sendo rígido demais com as regras, mas você estará permitindo com segurança e rigor na fiscalização interna. Ou ele sairá para bagunçar outra academia ou permanecerá por conta da preocupação e profissionalismo de vocês.

Muitos podem questionar se essas regras não deveriam ser estipuladas por advogados, no entanto, essa classe profissional não tem formação técnica para avaliar riscos, além de cada espaço ofertar um modelo de negócio diferente ao mercado, mesmo tendo a mesma proposta de CNAE no contrato social e alvará de licensa.

Crie suas regras de acordo com seu modelo de negócio, apresente ao advogado da empresa e conversem sobre como colocar em prática sem que haja conflitos que punam a empresa.

Espero ter ajudado!

Abraço, Fábio Cantizano!